domingo, 10 de abril de 2011

QUANTAS VEZES NÓS, NARCISOS, SEREMOS FERIDOS?

As três humilhações sucessivas do ser humano evidenciadas há mais de cem anos são também chamadas por Freud de “as três feridas narcísicas”. Nada mais acertado do que tal termo para expressar a angústia do orgulho ferido por três vezes: não éramos mais o centro do universo, não mais privilegiados entre as criaturas vivas por não sermos “criados” à imagem e semelhança de Deus e, por fim, o nosso “eu” não era mais senhor de sua própria morada, já que o próprio Freud tornou visível o papel predominante do inconsciente nos processos psíquicos.
Hoje, cem anos depois de Freud, segundo o filósofo contemporâneo Slavoj Zizek, uma outra imagem aparece: as últimas descobertas científicas parecem infligir toda uma série de humilhações suplementares à imagem narcísica do homem: nosso próprio espírito não é nada além do que uma máquina de calcular e de produzir séries de dados, sendo nosso sentido da liberdade ou da autonomia simplesmente "ilusões do utilizador" dessa máquina...
Cientistas que desenvolvem “inteligências artificiais” prevêem que daqui a no máximo 20 anos terão desenvolvido uma máquina com capacidade de inteligência e raciocínio superior à do ser humano, e, isto posto, aproveito para reinquirir a indagação do físico russo Isaac Asimov: Quando, em que ponto e em que circunstâncias uma inteligência passa a ser uma consciência?
Em seu best-seller de ficção “corretamente” científica, “Eu, Robô”, Asimov prevê que, em algum lugar do futuro da humanidade, um super computador, que atualiza com dados e informações todos os robôs, de uso doméstico ou não, cria ao acaso (assim como, segundo Darwin, a evolução humana se deu), através da superposição aleatória de códigos randômicos, uma espécie de consciência. A máquina, então, começa a ter pensamentos próprios e chega por si mesma à conclusão de que nós, seres humanos, somos um perigo para a humanidade. Daí para frente o caos se instala, varias medidas são tomadas pelas máquinas, que chegam a decretar inclusive toque de recolher.
Quantas e quais humilhações ainda vamos ter que deglutir até que nosso orgulho se dissolva ante a desimportância que temos no universo?...
Sem respostas para tal indagação, seguimos nossa jornada nos achando os senhores do espaço e do tempo, pretensão explicitada nessa onda modal de querermos “salvar o planeta”.
Ora, o planeta esta aí e sobreviverá a nossos desmandos. Nós, reles seres humanos é que não sobreviveremos a nós mesmos, a nossa ânsia por crescimento, desenvolvimento, enriquecimento..., a nosso individualismo canibal.
Em momentos pessimistas penso que nós, seres humanos, é que somos a doença do nosso mundo, e que o remédio é o nosso extermínio, que, infelizmente se dará depois de termos exterminado inúmeras outras populações de seres inocentes.
Todavia, me conforto com a divagação de Frei Betto: “O melhor da existência são as contas de seu colar, as dimi¬nutas miçangas que formam belos desenhos, os cacos do vi¬tral. A conversa inconsútil com os amigos, a língua perfumada pelo vinho, os salmos de Adélia Prado, a sesta de domingo, a inveja dos velhos jogando dama na praça, o gesto de carinho, o cuidado solidário.”
Oxalá as sucessivas humilhações pelas quais passaremos nos tornem humildes o suficiente para que percebamos a nossa desimportância e a nossa falta de cuidado com nossos iguais.