segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

ENSAIO SOBRE O TOTALITARISMO

LITERALMENTE TOTAL

Ao contrário do que muitos pensam, e, até do que é ensinado até hoje em muitas escolas da nossa educação básica, o Totalitarismo não se confunde em sua essência com o despotismo ou com outros tipos de governo aos quais costumeiramente o comparamos.
Na verdade, o termo “Totalitarismo” tem sido por muitas vezes utilizado erroneamente para se referir a governos tirânicos ou ditatoriais.
De fato, até mesmo o Dicionário Aurélio de língua portuguesa, ao definir o sentido de tal palavra, a denota como sendo “o governo, o país ou o regime em que um grupo centraliza a todos os poderes políticos e administrativos”.
Tal definição torna-se absurdamente incipiente ao realizarmos uma análise das origens e características do Totalitarismo tendo por base o estudo e a riquíssima reflexão feita pela filósofa alemã Hannah Arendt acerca deste tema, reflexão esta que acaba por aproximá-lo da definição que o mesmo Dicionário Aurélio apresenta para o vocábulo “total”; que, como adjetivo qualifica a abrangência de um todo, ou seja, completo, geral; e como substantivo denota o resultado de uma adição.


ABSURDA FICÇÃO REAL

Antes de ser regime de governo, ou seja, de se instalar em algum governo, o Totalitarismo já existe através de um movimento, e, mesmo antes de ser movimento ele já subsiste como ideologia na cabeça de seus líderes potenciais. Tal sistema de idéias tem características bastante marcantes. A mais contundente delas é com certeza a ocultação de seus reais objetivos da grande massa aderente ao movimento.
Assim, no movimento totalitário, apenas os principais próceres detêm a verdade velada de suas principais intenções. Dentre esses objetivos ocultos podemos destacar: a luta pelo domínio total de toda a população da terra e a conseqüente aniquilação de toda a realidade rival não-totalitária, o desprezo total da individualidade e da nacionalidade, o não reconhecimento de qualquer diferença entre lei e ética (ou, uma situação extrema de não reconhecimento nem mesmo das próprias leis elaboradas pelo movimento após a tomada do governo pelo próprio), e, por fim, a abolição total da liberdade e até mesmo a eliminação de toda a espontaneidade humana.
Os objetivos principais supracitados pareciam, aos olhos do mundo não-totalitário, tão surreais, que ocasionavam uma certa apatia diante de sua chegada ao poder na União Soviética a partir da ditadura bolchevista de 1930 e na Alemanha, a partir de 1938, o que, de certa forma servia de estratégia para que tais organismos totalitários crescessem e se desenvolvessem nessas nações utilizando-se de seus métodos excludentes, baseados no fanatismo exarcebado e no expurgo de seus rivais nacionais internos e externos.
Afinal, segundo Hannah Arendt, “O mundo não totalitário é incapaz de compreender uma mentalidade de toda ação calculável em termos de homem e de bens materiais, e que é completamente indiferente ao bem estar do povo; e isso o coloca num curioso dilema de julgamento”.


COMO NÃO ABRANDAR O ÍMPETO RADICAL AO SER GOVERNO

Dizia Hannah Arendt que “quando um movimento, internacional em sua organização, universal em seu alcance ideológico e global em sua aspiração política, toma o poder num único país, coloca-se obviamente em situação contraditória”. Em outras palavras, mesmo o mais radical dos movimentos de oposição tende a um abrandamento de idéias e procedimentos ao chegar ao governo de um país.
O Totalitarismo, por sua vez, ao tomar o poder na Alemanha sob a forma de Nazismo e na União Soviética sob a forma de Ditadura Socialista, tinha uma série de estratégias para barrar tal abrandamento e prosseguir com seus objetivos inescrupulosos. Tais estratégias consistiam principalmente em: estender promessas de estabilidade a fim de esconder um estado intencional de instabilidade permanente; eleger um ou mais grupos de inimigos do movimento, que, por serem os causadores de todos os males e por gerarem obstáculos ao crescimento da nação, terão de ser eliminados; aumentar o terror na razão inversa da existência de oposição política interna; pulverizar a autoridade, que significa a duplicação de órgãos e a interseção de suas funções, gerando um poder real e um poder aparente e causando confusão e amorfismo; aumentar o poderio bélico, a despeito de seu custo, proibitivo, pois “pode ser muito mais barato apoderar-se da riqueza e dos recursos das outras nações através da conquista do que comprá-los de países estrangeiros ou produzi-los em casa”; e finalmente, criar polícias secretas, que, por ficarem ocultas detêm sempre o maior poder dentre as outras organizações estatais. “O verdadeiro poder, para o totalitarismo, começa onde o segredo começa”. Aliás, o movimento concede a tais órgãos um poder paralelo tão grande que eles chegam a ser considerados o algoz do regime: os órgãos que executam o seu papel real. Aquele que deixa transparecer seus reais objetivos, como o extermínio de todos os que são considerados inimigos e inferiores ou o que se supõe pensar algo contra o movimento.


A GUERRA ERA APENAS UMA BATALHA?

Após ter ciência das atividades e das reais intenções do totalitarismo, evidenciados por suas duas principais experiências de governo, e de sua expansão e importância em meados do século XX, a população “normal” mundial sentiu-se aliviada após a derrota de Hitler na 2a Guerra Mundial e do esfacelamento do regime ditatorial do Partido Comunista na antiga União Soviética. Afinal, o imperialismo parece muito mais brando do que o regime totalitário.
No entanto, de acordo com Hannah Arendt, os governos totalitários eram enfáticos ao afirmar que consideram o país no qual galgaram o poder apenas como sede temporária do movimento internacional a caminho da conquista do mundo, que as vitórias e as derrotas são computadas em termos de séculos ou milênios, e que, os interesses globais do movimento sempre terão prioridade sobre os interesses locais de seus próprios territórios.
Assim sendo, devemos estar atentos para o surgimento de qualquer foco de totalitarismo, que é representado principalmente pela violência física, pelo estupro mental e pela intolerância ao diferente.
Atualmente, por exemplo, o mundo se preocupa com o aumento de simpatizantes de movimentos essencialmente nacionalistas e discriminatórios. Esta semana, no Brasil, pela primeira vez a justiça autorizou a quebra do sigilo do Orkut, na internet, justamente para que a Polícia Federal encontre os responsáveis pela divulgação de idéias neonazistas, dentre muitas outras que ferem os princípios já consagrados de liberdade e igualdade da pessoa humana.
Afinal, não é difícil perceber através de uma observação mais acurada das características de alguns movimentos e principalmente de algumas seitas religiosas, indícios evidentes da sobrevivência das idéias totalitárias, que permanecem, se adaptam, se aprimoram, se expandem e acabam por continuar entre nós, quem sabe apenas como resquícios de um passado remoto, quem sabe aguardando a hora e lugar para eclodir novamente com toda a força, como fizeram na Alemanha e na União Soviética do século passado.

ROGÉRIO CHAVES